segunda-feira, 9 de junho de 2014

Dia 21 de junho Cineclube Afro Sembene e Cojira convidam para sessão Especial ao Dia dos Enamorados



O vento (Finyé) - 1982

Direção: Souleymane Cissé (República do Mali)


Sinopse: Dois adolescentes malineses, Bâ e Batrou, oriundos de classes sociais diferentes, encontram-se no liceu e tornam-se namorados. Bâ é o descendente de um grande chefe tradicional. O pai de Batrou, governador militar, representa o novo poder. Os jovens pertencem a uma geração que recusa a ordem estabelecida e põe em xeque a sociedade. "Na vida de cada ser humano, há sempre momentos em que você precisa fazer uma pausa, a fim de descobrir o que tem sido feito e o que ainda precisa ser feito. Finyé coloca esta pergunta dupla"

Elenco: Balla Moussa Keïta, Ismaïla Sar, Oumou Diarra, Ismaïla Cissé, Fousseyni Sissoko, Goundo Guissé, Jonkunda Koné, Pierre Gorse, Folclore do Mali.

Ficha técnica: Gênero: Drama. Duração: 105 minutos. País de Origem: Mali. Idioma do Áudio: Bambara. Legendas: Português. Produtora: Souleymane Cissé, Les Films Cissé. Música: Rádio Mogadíscio

Sobre o diretor

Souleymane Cissé, nascido em 1940, é um cineasta de Mali e foi, ao lado de Ousmane Sembene, um dos mais reconhecidos cineastas africanos do século XX. Durante sua adolescência viveu em Dakar, Senegal. Após o seu regresso a Mali, em 1960, sua paixão por filmes se desenvolveu em sua vocação de vida. Obteve uma bolsa de estudos e foi para o VGIK em Moscou (Instituto de Cinema do Estado), onde foi projecionista antes de se tornardiretor. Em 1970, tornou-se um operador de câmara para o Ministério Maliano da Informação. Dois anos mais tarde, ele dirigiu "Cinco dias em uma vida", que recebeu um prêmio no Festival de Cinema de Cartago. Dois de seus filmes, Baara (Trabalho) e Finyé (O Vento), receberam o prêmio Etalon de Yenenga no FESPACO. Yeelen (Light) e seu Prêmio do Júri de Cannes de 1987 revelou Souleymane Cissé para um público maior. Um cineasta dedicado, Souleymane Cissé é desde 1997 o presidente da Union des créateurs et entrepreneurs du cinéma et de l'audiovisuel de l'Afrique de l'Ouest (UCECAO). Em reconhecimento ao seu trabalho, foi nomeado Commandeur de l'Ordre National de Mali em 2006 e Commandeur des Arts et des Lettres da França. Seu último filme, Min Ye, estreou no Festival de Cannes de 2009.

Local: Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Rua Rego Freitas nº 530, sobre-loja 
Próximo a Igreja da Consolação/metrô República;
Entrada franca.

Informações:
www.cineclubeafrosembene.blogspot.com.br
Email: cineafrosembene@gmail.com
www.cojira.wordpress.com - www.sjsp.org.br - e nas Redes Sociais

Realização: Fórum África
Parceria: Cojira-SP/Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Apoio: Cabeças Falantes

Material de apoio:



Cultura do Mali

As tradições musicais malienses derivam de griots (ou Djeli), conhecidas como "Guardiões da Memória", que exercem a função de transmitir a história de seu país. A música do Mali é diversificada e possui diferentes gêneros. Alguns músicos são influentes são Toumani Diabaté e Mamadou Diabaté, intérpretes de um instrumento musical chamado kora; o guitarrista Ali Farka Toure, que combinava a música tradicional do Mali com um gênero vocal denominado blues; o grupo de musical tuaregue chamado Tinariwen e artistas como Salif Keita, Amadou & Mariam, Oumou Sangaré, Habib Koité, entre outros.

Embora a literatura deste país seja menos conhecida do que sua música, Mali tem sido um dos centros intelectuais mais ativo da África. A tradição literária maliense é divulgada principalmente de maneira oral, com jalis recitando ou cantando histórias de memória. Amadou Hampâté Bâ, seu historiador mais conhecido, passou grande parte de sua vida a escrever estas histórias para o mundo as conservasse. A novela mais conhecida de um autor maliense é Le Devoir de violence, escrito por Yambo Ouologuem, que, em 1968, ganhou o Prêmio Renaudot, mas seu legado foi danificado por acusações de plágio. Outros escritores conhecidos são Baba Traoré, Modibo Sounkalo Keita, Massa Makan Diabaté, Moussa Konaté e Fily Dabo Sissoko.

A variada cultura diária dos malienses reflete a diversidade étnica e geográfica do país. A maioria de seus habitantes usa trajes coloridos e fluídos chamados de boubou, típico da África Ocidental. Os malienses participam frequentemente de festas, bailes e celebrações tradicionais.16 O arroz e milho são importantes na cozinha do pais, que se baseia principalmente em grãos de cereais. Os grãos são geralmente preparados com salsas feitas de folhas, como o espinafre ou o baobab, com tomate ou com salsa de mani, podendo estar acompanhados de carne assada (tipicamente frango, cordeiro, vaca e cabra). A cozinha do Mali varia regionalmente.

Instituições culturais

Um dos pilares culturais é a Biblioteca Nacional do Mali, que tem um centro de documentação e arquivos históricos da época colonial e pré-colonial do Mali.

Letras

Mali pertence ao campo da literatura francófona como Senegal e outros países africanos francófonos sensíveis às letras. Um de seus maiores expoentes é Amadou Hampaté Bâ, que se preocupou por retratar as fontes históricas tradicionais, fincando pé na figura dos griots que representam a persistência da mitologia e a simbologia local, como em L'Éclat/ da grande étoile (1974). Outros nomes importantes em literatura são Massa Makan Diabaté, poeta que também ressaltou os cantos populares antigos pré-coloniais em Se lhe feu s'éteignait (1969), além de escrever uma trilogia de novelas sobre um só personagem feminino: Lhe cycle de Kouta, 1979-1982, e Saïdou Bokoum, com seus trabalhos vinculados ao impacto colonial.Também existe os Griots que são pessoas que transmitem oralmente histórias de seu povo para que o passado não seja esquecido.

Música

A música também tem expoentes reconhecidos em nível mundial, como Salif Keita, músico guitarrista que combina sons tradicionais com ritmos pop e rock, ressaltando sempre as identidades *malienses. Outro representante ainda mais famoso é o guitarrista Alí Farka Touré, que conseguiu integrar não só a música e os instrumentos tradicionais malienses como o balafón (instrumento de percussão feito de cascas de abóboras) se não também os ritmos locais com a música de jazz. Dois de seus trabalhos mais reconhecidos são The Source (1992) e *Talking Timbuktu (1994), ambos em conjunto com o músico norte-americano Ry Cooder. Há quem diga que o Mali é o berço do Blues. È impossível também deixar de falar em Mamadou Diabate e sua música mágica.

Cinema

Uma das expressões mais destacadas depois da literatura é o cinema. Apesar da precariedade de produção, Mali conta com dois realizadores reconhecidos internacionalmente: Cheik Oumar Sissoko e Soulemayne Cissé.

Fontes:  República do Mali e Cultura do Mali

Pesquisa visual e de conteúdo Oubí Inaê Kibuko para Cineclube Afro Sembene, Fórum África e Cabeças Falantes.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Isto é Nollywood o cinema da Nigéria


O cinema da Nigéria tem crescido nos últimos anos e, embora seja um mercado extremamente informal, teve uma grande explosão de produção nos últimos anos que tem chamado a atenção mundial por suas características únicas. Toda as produções são realizadas em vídeo. Sua produção é tamanha que já lhe rendeu o apelido de "Nollywood", pode ser considerada a terceira maior indústria de produção de cinema do mundo, atrás apenas de Hollywood e Bollywood. Em volume de produção, "Nollywood" talvez seja até a maior, já que desde o final da década de 1990 são feitos mais de mil filmes por ano, todos filmados e distribuídos em vídeo.

O mercado da Nigéria é exclusivamente de homevideo (com 90% da produção sem distribuição oficial, legalizada), pois praticamente não existem mais salas de cinema no país. Com este panorama, não é possível apontar com alguma precisão o tamanho desta indústria. Faltam estatísticas precisas ou elas simplesmente não existem. A única fonte oficial minimamente confiável é o National Censorship Board, responsável pela classificação indicativa, embora o órgão não dê conta do grande volume de produção, e de toda sua informalidade, com muitos filmes sendo "lançados" sem a indicação etária.

Sem salas de cinema, a Nigéria conta com cerca de 15 mil videoclubes e locadoras, e em quase todo tipo de comércio pode-se encontrar filmes para vender ou alugar. Estima-se que cada filme venda cerca de 25 mil cópias, cada uma vendida a cerca de CFA 2.300 (USD 3,50), com a locação a CFA 200 (USD 0,30). No entanto, não é possível saber o número de locações de cada cópia e quantas pessoas assistem a cópia por cada locação.1 Os preços das cópias e das locações são compatíveis com os preços do mercado pirata, na tentativa de poder competir de igual para igual, mas mesmo assim a pirataria também é um problema grave na Nigéria, país onde a grande maioria da população é de muito baixa renda.1

O mercado totalmente independente do governo, onde o financiamento às vezes é feito com empréstimos pessoais e informais e que gira por si próprio - as fitas e DVDs têm anúncios de outros filmes na capa e às vezes até mesmo pequenos trailers de outras produções antes do filme começar.1 Uma produção média de Nollywood é realizada em apenas 10 dias e custa aproximadamente US$ 15 mil. Os primeiros filmes de Nollywood eram todos filmados em vídeo analógico, VHS ou Betacam, mas com o avanço e o barateamento da tecnologia digital atualmente todas as produções são feitas com câmeras digitais, principalmente no formato Mini-DV. Geralmente são os próprios produtores que se encarregam da distribuição das fitas e DVDs, garantindo um retorno financeiro fácil e rápido, com uma margem de lucro não muito ambiciosa, mas volume muito grande.1 2 Com esse esquema de produção, em apenas 15 anos a indústria cresceu do zero para um mercado de cerca de US$ 250 milhões por ano que emprega milhares de pessoas. Estima-se que cerca de 300 diretores estejam em atividade, produzindo um total de aproximadamente dois mil filmes por ano.1

O sucesso desta indústria reside principalmente no fato de a temática dos filmes ter um apelo direto com o público local, por tratar de preocupações, conflitos e realidades que freqüentam o noticiário e o imaginário da população local. Os temas mais freqüentes são a AIDS, corrupção, prostituição, religião e ocultismo. A produção é realizada em diferentes línguas, assim como acontece com a produção de Bollywood, na Índia. Na Nigéria, cerca de 40% da produção é em pidgin english, 35% em iorubá, 17,5% em hausa e os 7,5% restantes em outras línguas e dialetos locais.1 Nollywood também começa a conquistar espaço em outros países da África, com seus atores fazendo sucesso de Gana à Zâmbia, e vai aos poucos ganhando prestígio internacional.

Origens

O fenômeno do cinema nigeriano tem raízes na década de 1980, quando a violência começou a afugentar o público dos cinemas e as pessoas preferiam ficar em casa. Com isso começou a força do então nascente mercado de vídeo cassete, que naquela época era um luxo acessível apenas para a elite local, que dispunha de aparelhos de vídeo e de fitas importadas ou pirateadas. Quem tinha um vídeo em casa passou a receber os amigos para ver filmes. Paralelamente essa mesma elite começou a contratar serviços de produção de filmagem de seus eventos pessoais - como casamentos, formaturas, aniversários e enterros - e esses filmes pessoais também passaram a ser exibidos para os amigos. Com isso a indústria de produção de vídeos "caseiros" cresceu e passou a diversificar, com filmagens também de peças teatrais. Daí para a produção de filmes com os atores e diretores das companhias de teatro.1
Constituição

Mas a produção de cinematográfica na Nigéria é comumente creditada ao início da década de 1990, quando a ausência total de salas de cinema e de incentivos e financiamentos paralisou completamente a produção cinematográfica nacional.1 A partir daí, a produção televisiva se fortaleceu e as séries locais viraram um fenômeno de audiência, com seus atores ganhando prestígio nacional. Em 1992, no auge do sucesso, as principais séries pararam de ser produzidas por conflitos financeiros entre os produtores, os atores e os canais de televisão. As TVs, por sua parte, substituíram os programas por telenovelas mexicanas, deixando produtores e atores nacionais sem opção senão a televisão.

Neste cenário, o produtor Kenneth Nnebue reuniu alguns astros dos antigos programas e fez uma série em vídeo visando distribuição direta no mercado de homevideo, intitulada "Living in Bondage". A recepção foi melhor que a imaginada e o sucesso de "Living in Bondage" foi imediato - estima-se que o primeiro filme da série tenha vendido cerca de 200 mil fitas VHS, sem contar com o comércio ilegal de cópias piratas. Quando foi lançado, em 1992, "Living in Bondage" não foi o único nem o primeiro filme produzido em vídeo diretamente para a distribuição em homevideo da Nigéria, sendo apenas um expoente que conquistou um maior destaque, despertando a atenção para este mercado. Nascia assim Nollywood.1

Ainda em meados daquela década, as produçõe em formato digital se proliferaram em uma escala sem precedentes. A cada semana, cerca de 30 filmes são realizados e lançados nas locadoras, cineclubes e mercados da cidade, nos mais variados tipos de comércio.
Repercussão

A repercussão da produção nacional de vídeo tem chamado a atenção também do governo local e, nos últimos anos, surgiram ações como a criação de uma film commission nigeriana, uma escola de cinema, e a construção de um estúdio, o Tinapa Film Studio, que custou cerca de US$ 28 milhões e foi construído pelo governo da Nigéria em parceria com a companhia privada estadunidense Dream Entertainment. O governo estuda também a criação de um fundo de US$ 40 milhões para a produção de filmes.1

Em outubro de 2006, o filme "The Amazin Grace" de (Jeta Amata) foi o primeiro filme nigeriano lançado no cinema desde 1979. Produção fora dos padrões de Nollywood, "The Amazin Grace" teve orçamento de US$ 400 mil, financiado por investidores privados, e se tornou o maior sucesso de bilheteria local, com cerca de 25 mil espectadores, ultrapassando o dobro da bilheteria de "Sr. e Sra. Smith" - o campeão até então. Com apenas quatro salas de cinemas em um país com hoje cerca de 140 milhões de habitantes, o mercado cinematográfico de salas de cinema não é uma realidade muito atraente; estima-se que no mercado de homevideo, o filme de Amata tenha vendido cerca de um milhão de unidades.

Fonte: Wikipedia - Cinema da Nigéria


Pesquisa visual, de conteúdo e postagem por Oubí Inaê Kibuko para Cineclube Afro Sembene e Fórum África.

Um livro pioneiro sobre o cinema em e de Moçabique

sobre livro de Guido ConventsOs Moçambicanos Perante o Cinema e o Audiovisual. Uma história político-cultural do Moçambique colonial até à República de Moçambique (1896-2010).
Estou a ver o Guido Convents à minha frente, como se diz em português moçambicano, com seu ar solene, vagamente nostálgico, ou não fosse ele filho desse “Plât Pays” de que falava Brel, cantando-o, em francês. Que me perdoe ele a referência à língua de Yourcenar, agradável alusão, adivinho-a, para Monsieur. Pedro Pimenta, seguramente sentado a seu lado. Circunstância que dá une Belgique linguística e inusitada em Maputo. Guido Convents é de etnia flamenga. Não se riam…

Vejo-os porque há um filme batendo na cabeça que permite estas misteriosas artes de sangoma. Que ninguém se assuste e não trema a voz a Cristiana Pereira, esforçada leitora destas palavras de inscrição, que não de circunstância. Ao público presente,  aos cineastas e a todos os amantes do cinema, aquele Abraço.

Os Moçambicanos perante o cinema e o audiovisual – uma história político-cultural do Moçambique colonial até à República de Moçambique (1896-2010), que tive a honra e o prazer de rever, é uma obra seminal, pioneira.Trata-se do primeiro e abrangente olhar sobre o que foi a exibição, recepção e produção de imagens no imenso e belo território à beira-Índico pulsando. Obra extensa, com rigores metodológicos e profusa bibliografia, não deixa de se constituir como uma narrativa, em caleidoscópio, desse “mundo do cinema”, como gosta de salientar o autor, presente em Moçambique quase imediatamente após a céllebre sessão dos irmãos Lumière, em Paris. Estava Ngungunhane a começar a sofrer o seu exílio, nos Açores, tumultuava a terra moçambicana no começo de uma saga de ocupação que só terminaria em 1975.

Como humilde copy desk, não me cabe fazer a apresentação da obra. Devo dizer que, diante de tanto texto, às vezes escrito em “belguês”, me senti como o tipógrafo-revisor Raimundo, da obra de Saramago, tentado a mudar uma simples vírgula, não para adulterar a prosa, mas para conseguir abraçá-la por inteiro e de uma vez, restituindo-a à língua de Craveirinha. Mas como ganguissavam as palavras!… Só espero não ter falhado muito. Se notarem uma ou outra gralha, deixem-me ao menos subir às palmeiras, para citar o verso de António Jacinto e título do filme de Joaquim Lopes Barbosa, cujo, em sessão clandestina, vi no estúdio de Courinha Ramos, na antiga Latino Coelho.

Sobre o livro falarão, decerto, outros e mais autorizados leitores e especialistas. Eu não passo de um fantasma, uma tela de palavras, cuja articulação, sentido e som, vos chega na pausada leitura de Cristiana Pereira.

O que pretendo é fazer uma declaração de amor. Não se surpreendam nem tirem conclusões apressadas… Sou obrigado a este texto por irrecusável directiva de Pedro Pimenta. É ele o responsável.

E a declaração de amor tem como objecto de desejo essa magia de luz e som que dá pelo nome de cinema.
Lawrence da ArábiaLawrence da Arábia 
Com este trabalho de Guido Convents dei por mim a fazer um imenso flash back. Vi-me a subir o elevador do Prédio Paulino Santos Gil para ir pagar as quotas do Cine-Clube, a descer do Alto Maé à baixa para assistir à estreia, no Varietá, do Lawrence da Arábia, de David Lean, com o velho porteiro e contínuo, o Picão, a dar-nos calduços no toutiço, que era o preço de uma entrada de borla, nós, espécie de “les enfants du paradis”, sozinhos, com um pirolito e um remexer de bolsos a ver se ainda dava para uma Coca-Cola. E a tarde de sábado, britânica… suspiraria Reinaldo Ferreira. Rememorei o que me contou José Craveirinha sobre as sessões no cinema popular que ficava na 24 de Julho onde é hoje o Museu da Revolução. E voltei a ver o letreiro já muito esbatido de um certo cinema “Variedades”, no Alto Maé, em cuja construção um avô colonial e pedreiro trabalhou.

Guido ConventsGuido Convents 
Ao filme interior, que esta obra de Guido Convents me suscitou, acrescentou-se a aprendizagem de tanto “facto/fado” ligado à aventura das imagens em Moçambique. Porque se trata de um livro com interessantes surpresas. A começar pela pelicula que se estreia no famoso cinema Império, da avenida de Angola. Depois, a rede de exibição que a Igreja católica, mas também outras confissões, mantinham junto da então chamada população indígena. O que eles viram meu Deus! Não se riam.

Tendo como fonte principal O Brado Africano, Guido Convents fornece-nos matéria para melhor percebermos como as diversas camadas que então constituíam a sociedade colonial se posicionavam em relação ao “mundo do cinema”: do proselitismo imperial e confessional ao posicionamento, com inquietações identitárias, das diversas camadas dos chamados filhos da terra. E de como o cinema, anos mais tarde, já em pleno impacto da luta de libertação, serviu como medidador e metaforização do debate político urbano sobre a afirmação nacional moçambicana. E foi instrumento de propaganda e divulgação da luta armada.

Do pós-independência falarão os ilustres apresentadores da obra. Aliás, atenta e minuciosa segunda parte deste livro. O que me ocorre é perceber o imenso interesse que o fenómeno cinemaográfico em Moçambique está a suscitar entre estudiosos, um pouco por todo o mundo, e de como nos pertencem também, aquelas imagens que os outros fizeram sobre nós. Mesmo as que estejam eivadas das singulares e imperiais retóricas que bem conhecemos.

Como ósculo final - happy end, portanto -, para esta misteriosa dama de Xangai na sua sala de espelhos, não queria deixar de homenagear os cineastas moçambicanos, cuja difícil e já significativa aventura, em meio de tantas dificuldades, teima em prosseguir.

Lendo esta obra de Guido Convents, percebe-se que há um desafio de produção, de exibição e de cultura que urge continuar. Há uma Cinemateca por criar. Há uma Lei do Cinema que é imperioso regulamentar, agilizar, adequar às realidades concretas do país.

O cinema moçambicano é parte do acervo histórico nacional, e uma ferramenta poética para perceber o presente e perspectivar futuros; é património cultural, a par da nossa literatura, da pintura, da escultura, do teatro, do canto e da dança, podendo espelhá-las a todas, essas belas e malasartes, mais a imensa riqueza linguística e diversidade de que é feita a invenção real e utópica da nossa plural identidade.

Last, bu not least, uma saudação a Pedro Pimenta e ao DocKanema, esse supremo atrevimento de Festival a querer colocar Maputo no road map do cinema africano.
Com um aceno de felicitações a Guido Convents, sugiro que comecem agora a falar a sério.

Kanimambo.

Fonte: Buala

“Os filmes africanos não conseguem existir sem o interesse da Europa”

Jorge Mourinha - 20/05/2014

O Festival de Locarno seleccionou quatro projectos de cineastas africanos de língua portuguesa para apresentar no seu fórum de financiamento. Três observadores explicam porque é que, sem estes fóruns, talvez não possa existir um cinema africano.

Quatro filmes de cineastas africanos de língua portuguesa estão entre os doze projectos da África sub-saariana seleccionados para a edição 2014 do Open Doors, o fórum de financiamento do Festival de Locarno, que decorrerá em Agosto, em simultâneo com a 67ª edição do certame.

Quatro longas-metragens que vão àquela cidade suíça ser apresentadas a potenciais parceiros de produção e financiamento, assinadas por nomes com créditos no cinema africano de língua portuguesa: as ficções Aleluia do angolano Zezé Gamboa, Heart and Fire do moçambicano Sol de Carvalho e Comboio de Sal e Açúcar do moçambicano Licínio de Azevedo, e o documentário do moçambicano Inadelso Cossa, Kula, uma Memória em Três Actos.

E quatro filmes que, pela sua própria presença em Locarno, exemplificam a difícil sobrevivência das cinematografias de países exteriores aos circuitos tradicionais, e sobretudo de uma África onde as dificuldades do desenvolvimento social e político têm atirado a cultura para um papel secundário ou inexistente. Como diz Fernando Vendrell, realizador e produtor português cuja companhia David & Golias tem co-produzido regularmente cinema africano, “os países de onde estes cineastas vêm não têm políticas de cinema, o que faz que sofram de forma muito agressiva com a questão dos financiamentos.” Fóruns como o Open Doors tornam-se, assim, na melhor – por vezes na única - oportunidade possível para conseguir montar projectos.

Não é uma questão que afecte exclusivamente o cinema africano, mas afecta de modo particular as cinematografias “minoritárias” que são o foco central do Open Doors, como explica por telefone ao PÚBLICO a responsável da estrutura, Ananda Scepka. “Especializamo-nos nos países do sul e do leste, zonas que enfrentam desafios complicados mas que são interessantes precisamente por isso, por serem menos visíveis.” O fórum, que tem como parceiro principal a Direcção para o Desenvolvimento e para a Cooperação do governo suíço, escolhe anualmente um máximo de doze projectos para apresentar a possíveis produtores e financiadores; um júri escolhe igualmente um projecto para receber 50 mil francos suíços (cerca de 40 mil euros).

O foco na África sub-saariana em 2014 surge na sequência de um primeiro apoio em 2012 à África francófona – que coincidiu, aliás, com uma retracção da França, o país mais activo no financiamento estatal do cinema africano, com uma política de suporte e sustentação da francofonia de assinalável impacto. Foi das antigas colónias francesas, sustentadas por fundos entretanto descontinuados como o Fonds Sud Cinéma, que surgiu toda uma geração: do Senegal, Djibril Diop Mambéty e Ousmane Sembène; do Mali, Souleymane Cissé; do Burkina-Faso, Idrissa Ouédraougo – e mesmo cineastas dos PALOP, como o guineense Flora Gomes, beneficiaram com as estruturas francesas. Mas mesmo esta geração, que procurava fazer a ponte entre África e o “primeiro mundo” ocidental, não criou descendência. O mauritânio Abderrahmane Sissako pode continuar a filmar (Timbuktu está este ano na competição de Cannes, ver trailer), mas o único cineasta africano que tem mantido produção regular é o chadiano Mahamat Saleh Haroun – também ele graças a apoios franceses.

Não há salas de cinema

"O que nos dizem os cineastas é que as condições de vida, de trabalho, de economia, são impossíveis". Kate Reidy, directora do festival Black Movie.

Kate Reidy, programadora e directora do festival suíço Black Movie, é peremptória: “Na maioria dos casos, os filmes africanos não conseguem ser feitos sem financiamento europeu. Precisam de interesse do Ocidente para existirem e serem divulgados.” Atenta à produção do continente africano, a programadora australiana abre excepções para países que conseguiram criar estruturas quase industriais: a África do Sul, “que tem uma indústria e uma influência ocidental muito claras”, e a Nigéria, cuja produção “faça-você-mesmo” levou o país a ser conhecido como “Nollywood”, mas, feita exclusivamente a pensar no público local, é impossível de exportar.

São as excepções num continente onde pensar em indústria de cinema ou política cultural pode ser utópico. Kate Reidy: “O que nos dizem os cineastas é que as condições de vida, de trabalho, de economia, são impossíveis. Não é que não queiram filmar; simplesmente não têm condições, não há apoios, e não há salas de cinema.” O Black Movie, inicialmente dedicado exclusivamente ao cinema africano, abandonou essa abordagem já há vários anos para se tornar num festival de cinema independente global, porque “a produção [africana] deixou de ser suficiente e a qualidade foi declinando. Não havia filmes bons que chegassem”.

Fernando Vendrell, que produziu O Herói de Zezé Gamboa (2004), um dos filmes africanos de língua portuguesa que fez melhor carreira internacional, aponta as contradições de um sistema de apoios que força os filmes a financiarem-se inteiramente no estrangeiro e, no processo, reforça o desinteresse dos países africanos. “Os fundos do Instituto do Cinema e Audiovisual [ICA] são muito importantes para o cinema africano de língua portuguesa, mas têm o efeito perverso de fazer com que os estados não se sintam responsáveis pelos filmes. Que ficam muitas vezes como património dos institutos de cinema locais, mas nem sempre tiveram o seu apoio.”

No caso português, o apoio ao cinema africano tem sido realizado ao abrigo de acordos de colaboração e co-produção com os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), mas cuja visibilidade pública tem sido reduzida (actualmente, o ICA destina 500 mil euros às co-produções com “países de língua portuguesa”, abertas também ao Brasil). Muitas destas co-produções não chegaram às salas portuguesas - caso de O Grande Kilapy de Gamboa (David & Golias, 2012), de Por Aqui Tudo Bem da angolana Pocas Pascoal (LX Filmes, 2011, mostrado a concurso no IndieLisboa), ou do primeiro filme de Sol de Carvalho, O Jardim do Outro Homem (Fado Filmes, 2006). Quando chegam, o impacto tem sido inexistente – os casos mais recentes foram Virgem Margarida, de Licínio de Azevedo (Ukbar Filmes, 2012), ou A República di Mininus, de Flora Gomes (Filmes do Tejo, 2011), ambos estreados em 2013 perante a indiferença do público.

Se é verdade que muitos destes são filmes de visível fragilidade artística, também é verdade que esbarram num mercado cuja formatação comercial não parece interessado em abrir-lhes espaço. Fernando Vendrell faz notar que muitas vezes o apoio ocidental a estes projectos se concentra no trabalho de pré-produção, desenvolvimento e rodagem, mas não abrange a difusão e distribuição. “Há muitas dificuldades de distribuição, filmes que não chegam a estrear nos seus próprios países. Mas alguns deles dão duas ou três vezes a volta ao mundo [no circuito de festivais], e acabam por ter um impacto internacional muito maior do que uma deslocação de uma comitiva a Washington...”

Vendrell evoca, de caminho, a incompreensão dos decisores ocidentais ao serem confrontados com estes filmes: uns exigem dos projectos africanos uma imagem turística vendável, de exotismo tribal, outros insistem em cadernos de encargos de cidadania e desenvolvimento que correm o risco de tornar os filmes em meros veículos de pedagogia social. Enquanto isso, as estruturas de produção que começam a surgir, por exemplo em Angola, acabam por se dirigir muito mais para uma dimensão televisiva que reproduz de modo mais ou menos linear os modelos ocidentais.

Em Locarno, Ananda Scepka recusa quaisquer cadernos de encargos e define a escolha do comité de selecção Open Doors, que analisou este ano 190 projectos para reter apenas doze, como guiada pela “força artística” do projecto. Para além dos projectos dos PALOP, foram seleccionadas ainda obras da África do Sul, Etiópia, Gana, Uganda e Zâmbia. “Locarno apoia um certo tipo de cinema de autor, e o Open Doors insere-se inteiramente nessa visão,” explica Scepka. “Contrariamente a outros fóruns, que exigem um mínimo de orçamento garantido, estamos abertos a projectos que ainda estejam em desenvolvimento. Alguns levam mais tempo do que outros, uns chegam a Locarno com o dinheiro quase fechado, para outros o financiamento começa aqui. Apoiamos obras que cremos serem capazes de encontrar exposição, mas quando as seleccionamos ainda está tudo por fazer. Não temos numerus clausus por países, nem escolhemos politicamente, mas como em todos os fóruns de co-produção temos que levar em conta se o projecto é realista e praticável.”

E apesar de todas as dificuldades, há uma razão para o foco do Open Doors estar este ano nesta parte do globo. “Sentimos que há uma nova geração muito dinâmica, que pega no touro pelos cornos, tem vontade de fazer coisas e procura os meios de as fazer. Já era o caso da África francófona, mas notámos uma grande actividade em muitos países, com pólos de atracção maior.” Kate Reidy confirma: “Nos últimos quatro ou cinco anos tem havido filmes em regime de auto-produção, documentários feitos a uma escala extremamente pequena, mas que são por vezes de extraordinária qualidade.” É por essa escala pequena que a programadora vê o futuro, mesmo admitindo que não é possível prevê-lo. “A economia mundial e a tecnologia estão a mudar tão depressa que isso tem uma influência muito grande no modo como o cinema se vai transformar e sobreviver. As fronteiras que existiam entre culturas nacionais estão a diluir-se, o modo como as pessoas contam histórias está a tornar-se cada vez mais difícil de definir.” 

Fonte: Cultura P


Almeida Garret - crônica

por António Nametil Mogovolas de Muatua (António Matabele) - Moçambique

... os frutos da educação são demorados, mas perenes na vida de um País! Invistamos, então, sem receios, nesta indústria de transformação do Homem!

 Almeida Garret,
 Os meus amigos – principalmente os mais jovens – dirão, com cargas de razão: “este velhote pirou de vez, coitado já nos deixou! A que propósito é que agora vai nos falar de Almeida Garrett?”.

Os que assim me sentenciassem teriam razão se a arte tivesse fronteiras, idade, não fosse ela perene e de validade internacional.

O nome da pessoa que dá título a esta reflexão foi um grande dramaturgo português, no período em que as artes e os saberes daquele povo da Península Ibérica fizeram luz neste mundo sempre tendencialmente cada vez mais globalizado.

De seu nome completo, João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário, nasceu a 4 de Fevereiro de 1799 e faleceu a 9 de Dezembro de 1854.

        Mas não me refiro ao Almeida Garrett homem. Falarei, com muita nostalgia, do Cine Teatro existente (?) em Nampula e que tinha (tem?) o seu nome.

        Esta coisa de as vicissitudes da vida nos levarem para longe da terra aonde nosso umbigo está enterrado, obriga-nos a padecermos de saudades incuráveis das pessoas, dos odores, dos sabores, das coisas que testemunharam a nossa infância, criancice, meninice e adolescência. Era esta nostalgia levada ao extremo, ao paroxismo do insuportável, que levava os escravos a morrerem de uma doença catalogada nos dicionários do Brasil – país maior recipiente de escravos naquele tempo – de banzo. Morriam de banzo porque apesar de o escravo ser fisicamente possante era, segundo a segundo, consumido e corroído por grande saudade da sua terra natal da qual fora arrancado abrupta e violentamente.

        De banzo não padeço, mas sinto grande falta das gentes e do ambiente nampulense no qual eu me auto-construi.

        Desde os concursos de música promovidos pelo Padre Agostinho Rodrigues, durante os quais, aos Domingos, cantadores anónimos da nossa meninice se enchiam de coragem e ao palco subiam para mostrarem os seus dotes adormecidos de cançonetistas.

Falo também das peças de teatro preparadas à pressa lá no bairro e que íamos apresentá-las ao Domingo no Almeida Garrett, depois das 10,00 horas e que terminavam, impreterivelmente, antes das catorze, porque o dono da sala – que nos emprestava a custo zero – precisaria dela para passar os seus filmes da matiné das 17,30 horas, para maiores de 12 anos de idade.

        Naquela sala, sempre cheia, nas matinés aos Domingos à tarde, aprendemos a saber apreciar a chamada sétima arte, vendo desde filmes de grande qualidade até os medíocres do tipo “sete contra o mundo” e “gringo não perdoa”, “cada bala tem um nome”.

        E como não me recordar do Rijo, jogador de futebol do Benfica de Nampula, que era zeloso porteiro e arrumador da sala de cinema, que fingia não se aperceber que em algumas cadeiras os pequenos espectadores se sentavam aos pares, porquanto por serem namorados achavam que aquele era o melhor momento para trocarem algumas intimidades na escuridão da exibição dos filmes.

        Mas relembrar Almeida Garrett é lançar um brado de socorro, pedindo aos gestores de cúpula das actividades culturais, lúdicas e de carácter artístico em Moçambique, para que, em conjunto, revejamos os actuais paradigmas de educarmos os nossos filhos para saberem amar a beleza destas manifestações que alegram o espírito do Homem.

        Com efeito, neste mundo sempre globalizado, depois de bem e muito trabalhar para desenvolver o País, o Homem moçambicano precisa de se divertir lendo bom livro, vendo bom cinema, assistindo bom teatro, dançando ao som de boa e alegre música, apreciando arte de qualidade, enfim, encontrando ambientes edificantes para se descontrair e retemperar energias para novas jornadas de trabalho.

        Que os muitos espaços Almeida Garrett espalhados pelo País voltem a exercer a sua função essencial para a felicidade do Homem do nosso País. 

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João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett e mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett, (Porto, 4 de fevereiro de 1799 — Lisboa, 9 de dezembro de 1854) foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português. Grande impulsionador do teatro em Portugal, uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.

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Pesquisa visual e postagem por Oubí Inaê Kibuko, para Cineclube Afro Sembene e Fórum África. 

Política cultural em debate


Política Cultural, segundo a Wikipedia, pode ser entendida como um conjunto de iniciativas e medidas de apoio institucional sistemático desenvolvido pela administração pública ou instituições civis, grupos comunitários e empresas privadas na perspectiva de orientar o reconhecimento, a proteção e o estímulo ao desenvolvimento simbólico material e imaterial determinada sociedade ou grupo social.

Em uma ação do poder público, uma política cultural se traduz por operações, princípios e procedimentos administrativos e orçamentários com características de instruções e diretrizes, tanto de ação direta quanto de fomento, assim como de meios regulatórios apropriados ao setor - normas jurídicas que regem as relações entre os sujeitos e os objetos culturais - em modelos e rearranjos ideológicos e econômicos com vistas à conservação de patrimônio e a democratização da cultura, desde o consumo e a produção de bens e serviços até a participação e a criação de processos culturais, em modalidades com objetivos diferentes - excludentes ou cumulativos - e por vezes incompatíveis.

A partir de diferentes modos de compreensão da significação dessas iniciativas e, por conseguinte, pelos respectivos modos de proposição e agenciamento das mesmas é possível verificar o comprometimento do Estado com a cultura nos diferentes contextos sociais, no que se refere à democratização do acesso e da fruição e a diversidade da oferta de bens e serviços culturais.


A POLÍTICA CULTURAL EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Por Ricardo Oriá

Grande parte dos estudos e análises sobre o processo de globalização têm sido feitos sob a ótica da economia. Esquece-se, portanto, uma dimensão importante desse processo no tocante aos aspectos sociais e culturais dele advindos e seus reflexos na vida das pessoas e na redefinição da identidade dos países, sobretudo com o aparecimento de novos suportes de informação disponíveis, a exemplo da Internet, TVs a cabo, multimídia, entre outros.

O fenômeno da globalização traz consigo, em seu discurso, a tentativa de se forjar um mundo homogêneo e unívoco. Nesse estágio do capitalismo que estamos vivenciando, a globalização pretende tornar todos iguais e homogêneos, uma "aldeia global"   que não respeita as singularidades e especificidades locais e regionais e que não reconhece que a grande riqueza da Humanidade é a sua diversidade étnico-cultural.

Contrapondo-se a esse discurso falacioso e enganador, consideramos que, neste mundo de economia globalizada, pretensamente "sem barreiras", a cultura  constitui, ainda, o elemento mais importante de afirmação da identidade nacional. É ela, em última instância, o aspecto fundante que diferencia um país de outro.

Este texto pretende, pois, suscitar uma discussão sobre o mundo da cultura e de como se pensar uma política cultural em tempos de globalização econômica. Para tanto, faremos uma breve digressão sobre a historicidade do conceito de cultura e a nec essidade de delinearmos uma política cultural para o País ensejadora do exercício da cidadania a todos os brasileiros.

Cultura além das belas-artes e da erudição

Etimologicamente a palavra "cultura" deriva de "colere" que, por sua vez, significa cultivar, habitar, criar e preservar. Nas sociedades da Antiguidade Oriental, o termo associava-se ao cuidado da terra, referindo-se ao manejo que o homem tinha da natureza.

O filósofo grego Aristóteles, na Antiguidade Clássica, já definia cultura como aquilo que não é natural, que não pertence ao mundo da natureza ou não decorre de leis físicas e biológicas. Posteriormente, o Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII, colocou a razão como tema central de sua teoria e, a partir de então, o homem passou a ser visto como animal racional. Já no século XX, "emerge o tema da cultura e o homem passa a perceber-se como um animal cultural."

Atualmente, os antropólogos e cientistas sociais consideram que a cultura refere-se ao modo de vida de um povo, em toda a sua extensão e complexidade. Assim, o conceito de cultura procura designar uma estrutura social no campo das idéias, dos símbolos, das crenças, dos costumes, dos valores, artes, linguagem, moral, direito, leis, etc., e que se traduz nas formas de pensar, sentir e agir de uma dada sociedade.

No entanto, ainda hoje, a palavra "cultura" tem sido empregada cotidianamente como sinônimo de erudição ou para designar o mero acúmulo de conhecimentos. Atualmente, graças à contribuição da Antropologia, o moderno conceito de cultura não está mais restrito ao campo das belas-artes, da filosofia e da erudição, tão ao sabor das elites letradas deste país. Devemos compreender  "cultura" como o conjunto de manifestações espontâneas, que se moldam no cotidiano das relações sociais de uma determinada coletividade que, uma vez incorporadas ao seu modus vivendi, a caracteriza e a distingue das demais.

A "Conferência Mundial sobre Políticas Culturais", realizada no México em 1982, declarou, acertadamente, que "a cultura hoje pode ser considerada o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam a sociedade ou um grupo social. Além das artes e das letras, engloba modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças."

Considerando a cultura como todo um modo de vida na acepção antropológica mais ampla, podemos tirar uma primeira e importante conclusão, qual seja, a de que  a cultura deve ser pensada como direito, criação e fio condutor que perpassa os diversos aspectos da vida humana e todas as áreas e ações da sociedade e dos governos 2.. Assim, um outro conceito de cultura ganha significado, onde a mesma deixa de ser encarada como concessão do Poder Público, como adereço, algo diletante, "perfumaria" e privilégio de poucos. A Cultura hoje deve ser vista sob a ótica da Cidadania.

Entender a cultura como direito de cidadania implica reconhecer que somos sujeitos históricos e culturais, produtores de cultura e, como tal, temos direito de criar, inventar, produzir, bem como de ter acesso aos bens culturais de nossa sociedade e à memória coletiva, esteio de nossa identidade cultural.

Na verdade, a cultura não se reduz ao mundo dos eventos e do efêmero, ao campo das artes e da erudição e às leis do mercado, como hoje apregoam os neoliberais de plantão. O mundo da cultura diz respeito à totalidade das experiências sociais e, neste sentido, interessa a todos como direito de cidadania. A filósofa e ex-Secretária de Cultura do Município de São Paulo, Marilena Chauí, tem toda a razão ao afirmar que: "A cultura não se reduz ao supérfluo, à sobremesa, ao mundo oficial, mas se realiza como um direito de todos os brasileiros, a partir do qual eles se diferenciam, entram em conflito, recusam ou aceitam modelos, criam alternativas, tornam-se sujeitos da história: autores de sua própria memória."

Consideramos, pois, que Cultura é direito de cidadania, devendo, portanto, ser assegurada a todos os brasileiros, indistintamente. Desde a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, os direitos culturais foram erigidos à categoria de direitos fundamentais da pessoa humana e, como direito, podem e devem ser exercidos e exigidos quando necessário: "Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios." (Artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Mas o que vêm  a ser Direitos Culturais?  Ou mais ainda, o que significa Cidadania Cultural?

Por uma Política de Cidadania Cultural

Na moderna teoria democrática, a noção de Cidadania está fundamentada na definição legal de direitos e obrigações que a constituem e compreende os direitos e deveres civis, políticos e sociais  . No âmbito dos chamados direitos sociais, encontram-se os culturais. Os direitos culturais são aqueles direitos que o indivíduo tem em relação à cultura da sociedade da qual faz parte, que vão desde o direito à produção cultural, passando pelo direito de acesso à cultura até o direito à memória histórica. Esse conjunto de direitos integra a concepção de Cidadania Cultural. Vejamos, pois, cada um de per si:

O direito de produção cultural parte do pressuposto de que todos os homens produzem cultura. Todos somos, direta ou indiretamente, produtores de cultura. É o direito que todo cidadão tem de exprimir sua criatividade ao produzir cultura.

O direito de acesso ou fruição à cultura pressupõe a garantia de que, além de produzir cultura, todo indivíduo deve ter acesso aos bens culturais produzidos por essa mesma sociedade.
Já o direito à memória histórica, como parte dessa concepção de  Cidadania Cultural, indica que todos os homens devem ter acesso aos bens materiais e imateriais que representem o seu passado, a sua tradição, a sua História. O direito à memória  . encontra-se consubstanciado nos bens culturais pertencentes ao Patrimônio Histórico da sociedade.

Além desses direitos anteriormente explicitados, podemos acrescentar a esse princípio da Cidadania Cultural o direito à informação como condição básica para o seu exercício e o direito à participação nas decisões públicas sobre a cultura, por meio de conselhos e fóruns deliberativos, onde o cidadão possa, através de seus representantes, interferir nos rumos da política cultural a ser adotada, distanciada dos padrões do clientelismo e da tutela que, geralmente, norteiam as políticas públicas no País ..

Pioneiramente, na atual Constituição Brasileira, o legislador constituinte teve a sensibilidade política de enquadrar no rol dos direitos fundamentais os chamados direitos culturais e de exigir que o Estado garanta a todos os brasileiros o exercício dos mesmos. Isto é evidente a partir da leitura do art. 215, caput, da Carta Política  de 1988: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais."

No entanto, a dicotomia entre o "Brasil legal" e o "Brasil real" está também presente no campo da cultura. Embora seja considerado um avanço legal o fato do reconhecimento constitucional aos direitos culturais, ainda estamos muito aquém da efetiva realização do mandamento  constitucional. Muito ainda precisa ser feito para que, de fato, se democratize o acesso à cultura e aos bens culturais a todos. Numa sociedade profundamente marcada por conflitos, contradições e desigualdades sociais, a cultura ainda se constitui um privilégio.

Por sua vez, a falta de uma política cultural consistente e eficaz por parte do Poder Público, aliado aos parcos recursos financeiros destinados ao setor, não tem contribuído para uma real democratização de nossa cultura.

No rol das políticas governamentais, a cultura não tem sido prioridade, nem tampouco nos discursos e ações programáticas dos diferentes partidos políticos. Até mesmo partidos políticos ditos "progressistas" têm uma compreensão equivocada e distorcida da problemática cultural no País. Acreditam que a população brasileira tem outras necessidades mais prementes (saúde, educação, transporte, etc) que precisam ser urgentemente atendidas em detrimento da cultura. Esquecem, no entanto,  o papel transformador desta no desenvolvimento sócio-econômico do País e como instrumento possibilitador da melhoria da qualidade de vida da população. Como bem acentua a socióloga argentina Beatriz Sarlo  , o tema da arte e da cultura ainda se encontra restrito aos especialistas e ao debate intelectual de acadêmicos e, praticamente, ausente da agenda política dos partidos e da sociedade em geral.

Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um estudo mostrando que uma parte das situações de fome no mundo era em decorrência da falta de alimentos ao alcance dos indivíduos, mas uma outra parte- e uma parte bastante considerável- estava associada à falta de discernimento cultural, de tradição cultural dos hábitos alimentares. Neste sentido, para se contrapor ao discurso falacioso de que é preciso primeiro "matar a fome" dos brasileiros, essa pesquisa atesta que "cultura também enche barriga".

Em meio ao processo de globalização que estamos presenciando, colocamos algumas questões norteadoras para a definição de uma política para a área da cultura em nosso País, que possibilite a afirmação de nossa identidade e cidadania.

Pensamos, pois, que uma política cultural para um Brasil que se pretende moderno e democrático há de pautar-se  pela idéia motriz de que a cultura, que é produzida coletivamente, deve constituir-se num   direito coletivo, também, a ser apropriado por todos os cidadãos indistintamente. Portanto, impõe-se  que se criem meios e mecanismos eficazes para que o cidadão comum tenha direito à cultura, tenha direito à memória coletiva e tenha condições de se apropriar dos bens culturais que, normalmente, vêm sendo monopólio dos setores dominantes da sociedade. Não se trata, tão-somente, de valorizar as manifestações populares, o folclore, o artesanato, entre outras formas de cultura popular. Tudo isso é importante, mas consideramos que o caminho a ser trilhado é o de democratizar o acesso à cultura a todos os segmentos sociais. Só assim estaremos contribuindo para que os privilégios de classe numa sociedade capitalista como a nossa, marcada por profundas desigualdades e contradições,  sejam diminuídos e se democratize, de fato, o acesso aos bens culturais.

Hoje, no limiar de um novo século e milênio, temos a plena convicção de que, no Brasil, o alcance da plena cidadania passa necessariamente pelo exercício dos direitos culturais. Somente a partir do momento em que todos os brasileiros, como cidadãos e não meros consumidores, passarem a usufruir os bens culturais é que se inicia o processo de construção de uma nova identidade, assentada na diversidade regional e na pluralidade de nossas matrizes étnicas.

Fonte: Tripod

A importância dos cineclubes na formação de espaços e cidadania cultural


Cineclubes são espaços democráticos, sem fins lucrativos, que estimulam o público a ver e discutir o cinema. E, através dele, refletir sobre a realidade. O Cineclube dá acesso as mais diferentes cinematografias e suas propostas estéticas e narrativas, além disso, valoriza de forma única a experiência da difusão/exibição...

A exibição da obra cinematográfica escolhida não tem base em critérios comerciais, mas, sim, critérios artísticos, culturais, sociais e que fazem refletir. Somado a isso o público se envolve diretamente na escolha das obras a serem vistas. Esses filmes podem ser de curta, média ou longa-metragem e não tem intenções comerciais de exibição. Os Cineclubes são espaços de fruição, pesquisa e crítica cinematográfica. Além disso, primam pelo direito do público no acesso ao audiovisual e na experiência compartilhada em assistir do cinema.

Caracteriza-se por ser um Cineclube ações e espaços que possuem uma sessão periódica com data e local, normalmente fixos, com finalidade cultural, inclusiva e estrutura democrática.

Os objetivos do Cineclube, entre outros, são refletir sobre a linguagem do cinema, possibilitar a experiência fílmica como ferramenta de educação, estimular o desenvolvimento do pensamento crítico e viabilizar ações concretas de intercâmbio entre cineclubistas, realizadores, pesquisadores, críticos e pessoas que se interessam pelo cinema como arte transformadora.

Os Cineclubes nasceram como resposta às necessidades que as salas comerciais não atendiam, ou seja, a fruição do filme e a democratização do acesso. Assumiram, assim, diferentes práticas conforme o desenvolvimento das sociedades em que se instalaram. Assumiram uma forma de organização institucional única que os distingue de qualquer outra. O trabalho realizado pelos Cineclubes diz respeito a exibir cinematografias que não estariam disponíveis ao público de outra maneira. No Brasil o Cineclubismo inicia oficialmente em 1928, com o Chaplin Club no Rio de Janeiro. Com o passar do tempo tantos eram os espaços que foram necessários manter essa rede que se formava, diante disso, foi criado o CNC – Conselho Nacional de Cineclubes, em 1961 (hoje denominado Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros), uma entidade que busca o desenvolvimento das políticas públicas para o audiovisual, participando das ações e propondo espaços para a expansão da ação Cineclubista.


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